Os Discursos sobre a Loucura como Instrumento de Poder em Michel Foucault.
Durante todo o decorrer da história, pouca importância fora dada com a questão do “insano”. Durante a Idade Média, tal problema era visto simplesmente como um erro, uma falha da razão. Neste período, o maior enfoque de exclusão seria dado, segundo Foucault, sobre o leproso (FOUCAULT, 1972, p. 3). Porém, com o advento da Idade Moderna, observaremos o surgimento de um novo ideal que consistirá na exaltação da razão. É a partir deste ideal de racionalidade, que o louco acaba se tornando um sinal de contradição nestes meios, de modo que já não será tratado apenas como um mero erro, mas, também, como uma ameaça à razão. No início da contemporaneidade, novas idéias, teorias e instituições, iriam reforçar este discurso de forma que o louco não seja mais um problema da sociedade, mas sim, um problema puramente do domínio científico. Com o surgimento da Psiquiatria e as mistificações da ciência, a loucura ganharia casa e padrastos, por meio de discursos que a legitimariam como doença. Assim, considerando certos domínios científicos, a loucura passaria a ser criminosa, perigosa e talvez “contagiosa”.
Ora, analisando esta situação, queremos mostrar nesta pesquisa, que estes discursos seriam aceitos por uma pluralidade de receptores onde também se tornariam emissores destes. No entanto, a problemática aqui apresentada não estaria apenas sobre um idealizador, cruel que dominaria um monopólio do discurso, mas de uma sociedade em sua complexidade que concomitantemente exclui e deporta não só os loucos, mas todo e qualquer indivíduo que ameaçar a sua “suposta” tranqüilidade.
Desta forma, queremos, por meio do pensamento de Michel Foucault, pesquisar o discurso sobre a loucura durante os séculos XV a XIX como formas de poder, isolamento e punição, no intuito de mostrar que tanto o saber médico, quanto a internação psiquiátrica, tornaram-se alguns dos instrumentos de poderes institucionais da época. Conseqüentemente, este saber médico juntamente com outras ciências podem ter sido os grandes responsáveis por estabelecerem a fronteira entre a racionalidade e a loucura sem ao menos ter total conhecimento de o que ela realmente é. A loucura, entretanto, será vista pelo mundo psiquiátrico como a ameaça de uma doença à sociedade. E como toda doença, deve-se fazer existir uma cura.
Durante o século XVIII, o fenômeno de exclusão para com os loucos torna-se muito mais evidente com as internações. Serão os hospícios que se transformarão em fins terapêuticos e penitenciários. Desta forma, cabe-nos a pergunta: como surgiu esta necessidade de um aprisionamento do louco?
Para tanto, como ilustração, podemos observar que no final da Idade Média quando os leprosários já não recebiam mais doentes, surgiria um novo problema, uma nova forma de substituir os internatos para enchê-los novamente de “doentes”; este problema seria a loucura. A respeito deste assunto, Foucault (1972, p. 8) demonstra um fato curioso:
É sob a influência do modo de internamento, tal como ele se constituiu no século XVIII, que a doença venérea se isolou, numa certa medida, de seu contexto médico e se integrou, ao lado da Loucura, num espaço moral de exclusão. De fato, a verdadeira herança da lepra não é aí que deve ser buscada, mas sim num fenômeno bastante complexo, do qual a medicina demorará para se apropriar. Esse fenômeno é a Loucura.”
A partir desta concepção sobre a loucura, Foucault afirma que a medicina demorará para se apropriar da Loucura e se utilizaria de medidas talvez pouco científicas, ou seja, com alguns métodos de punição. Num primeiro momento, a loucura seria tratada sobretudo na Idade Moderna, com exclusão: os loucos seriam colocados em navios, Stultifera Navis (A nau dos loucos), e lançados ao mar. Porém, após o século XVIII, quando a loucura deixa de ser apenas um erro ou ilusão para tornar-se uma ameaça, surge o internamento, uma ilha dentro da própria civilização cuja maior preocupação não seria talvez com a perturbação da mente do louco, mas sim, com a perturbação que este poderia causar com o seu modo de agir. No entanto, no século XIX a Psiquiatria (FOUCAULT, 1997, p. 27) toma as rédeas da loucura e, com as promessas de cura, justificaria as formas de asilamento:
1 Assegurar sua segurança pessoal e de sua família;
2 Libertá-los das influências pessoais;
3 Submetê-los à força a um regime médico;
4 Impor-lhes novos hábitos intelectuais e morais;
2 Libertá-los das influências pessoais;
3 Submetê-los à força a um regime médico;
4 Impor-lhes novos hábitos intelectuais e morais;
Assim, denota-se que estas justificativas estão imersas em um discurso de poder, ou melhor, questões de poderes voltados à própria relação institucional, onde se construiria um saber acerca da loucura em total domínio da medicina.
Este discurso de continência e domínio da loucura parece vicioso na história; o período marcado pelo método cartesiano e conhecido como o “século da razão” temerá esta figura alienada e a sua ameaça racional. Restará se defender, tratando os loucos como animais e isolando-os para que não promovam a desordem.
Foucault, influenciado por Nietszche, parece fazer uma genealogia da loucura com um novo modo de analisar o Insano, ou seja, não será por uma via médica especulativa e neurológica e nem mesmo por uma via psicológica, mas sim, por uma ótica, da qual, busca-se a raiz da patologia mental na história das relações humanas.
A História da Loucura tornou-se uma obra ousada mesmo porque Foucault, no início de seus estudos, possuía um grande interesse pela psicologia, chegando a se especializar em psicopatologia fazendo estágios em hospitais psiquiátricos e mantendo contatos com os internos (LOGOS, 1990, p. 693). Mesmo assim, procurou através da história do internamento, as ilusões da ciência psiquiátrica e as mistificações da própria ciência moderna. Ao contrário do que se poderia pensar, não será uma descrição sobre uma história da loucura, baseada em teorias relativas ao tratamento dos doentes mentais, mas a partir das práticas de isolamento: práticas de isolamento se assemelham a práticas discursivas, pois talvez seja através dos discursos que surgirá esta sina de isolamento e punição da loucura.
- Pesquisa: Davi Reis de Jesus
- Fonte: Brasil Escola
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